Luciano Cotrin
Armando Sérgio
com sua esposa Líli
"Na mesma máscara negra
que esconde seu rosto eu quero
matar a saudade.
Vou beijar-te agora não me leve a mal hoje
é carnaval".
(Zé Keti)
Certa vez ao ser entrevistado D. Helder Câmara disse: “quem não é Flamengo, não gosta de cachaça, de carnaval e de mulata não é brasileiro”. É evidente que as palavras do nosso defensor dos direitos humanos, que “hoje dorme o sono dos justos”, não pode ser interpretada ao pé da letra. E por falar em carnaval...
Nos bons tempos dos carnavais em Recreio, década de 50, realizava-se a tradicional partida de futebol no antigo campo do Recreio com os homens vestidos de mulher. O massagista trazia na maleta apenas uma garrafa de pinga. Quando algum jogador caia entrava correndo em campo e oferecia um bom gole de pinga para reanimar o folião ou apaga-lo de vez. A pinga era ingerida no gargalo mesmo. O número de jogadores não tinha limite e ninguém estava preocupado com o placar.
Lembro-me da Escola de Samba Flor da Mocidade que levantava poeira na nossa singela passarela do samba. A bateria com sua cadencia contagiava as pessoas que assistiam o desfile.A coreografia do Mestre-Sala e da Porta-Bandeira chamava a atenção da enorme platéia. Os carros alegóricos atraíam a atenção pela sua beleza e simplicidade. A ala das baianas sempre foi o seu ponto forte. Parece que as fantasias eram alugadas da Mangueira. Que saudade da minha verde e rosa. Parodiando o nosso mestre Paulinho da Viola: Ai minha Flor da Mocidade/Quando via você passar/Sentia meu coração apressado/Todo o meu corpo tomado/A alegria de voltar.
“Sei lá não sei.../Sei lá não sei.../Não sei se toda beleza de que lhes falo/Sai tão somente do meu coração”.(Paulinho da Viola e Herminio de Carvalho).
Recordo-me também da barraquinha armada na rua do cinema vendendo lança-perfumes, máscaras, confetes e serpentinas para os foliões. Era a época das matinês e dos bailes noturnos. Foi o período do carnaval de salão na Associação Comercial e no Clube Flor da Mocidade. Convivíamos com a discriminação racial como se fosse um fato comum. Na Associação Comercial, clube dos brancos, os negros não entravam, exceto se fosse para trabalhar como garçom, faxineiro, porteiro ou se fizesse parte do conjunto ou orquestra que iria tocar. No Flor da Mocidade, clube dos negros, os brancos podiam entrar e participar do carnaval de salão sendo sempre bem recebidos.
Nos bailes carnavalescos os foliões iam fantasiados. Chico Buarque retratou muito bem esse momento na música Noite dos Mascarados: “Quem é você/ Advinha se gosta de mim/ Hoje os dois mascarados/Procuram os seus namorados/ Perguntando assim”.
As pessoas dançavam como Colombinas e Pierrôs apaixonados e tinham o costume de jogar nos foliões lança-perfume, confetes, serpentinas e aquele líquido vermelho que manchava a roupa e em frações de minutos evapora. Que susto! Era uma festa onde todos se reuniam num só coração. As famílias saiam de suas casas para acompanharem as festividades carnavalescas. O objetivo de todos era pular, cantar e aproveitar cada minuto com muita alegria, antes que a quarta-feira encerrasse o reinado do Rei Momo.
As fantasias eram lindas, cada uma mais bonita do que a outra. O brilho dos paetês e lantejoulas eram um colírio para os nossos olhos. O povo se encantava e participava da grande festa. No salão era uma loucura. Parecia que o chão ia desabar. Ao som do conjunto as pessoas pulavam até o dia amanhecer. Muitos namoros e casamentos surgiram com a benção do Rei Momo.
Hoje o Pierrô e a Colombina fazem parte do passado. O Alecrim não chora mais pela Colombina A vida é assim. Cada época tem seus valores e costumes. É o caminhar irreversível da história. Para nós marmorristas que já passamos dos cinqüenta só nos resta comprar um CD de Marchinhas Carnavalescas e, acompanhado de uma loirinha bem geladinha tomada com a devida moderação, lembrar dos velhos e saudosos tempos. Pensando bem ainda dá para encarar um baile carnavalesco. O grifo foi proposital. Mais de um seria medicamente desaconselhável!
No tempo dos nossos avós os clubes carnavalescos Baeta, Lord, Estrela do Norte e Cubanos agitavam os carnavais de Recreio. As famosas batalhas de serpentinas compunham um cenário encantador que hoje fazem parte do mundo encantado da recordação.
Sem desmerecer as outras escolas, que também encantavam o nosso povo, sobre a Flor da Mocidade só posso dizer: “Vista assim do alto/ Mais parece um céu no chão”. (Paulinho da Viola e Hermínio de Carvalho).
Deixando de lado toda a beleza e a alegria que o carnaval proporcionava é importante refletir sobre os versos do nosso Poetinha. Saravá meu Pai!
“A felicidade do pobre parece/A grande ilusão do carnaval/A gente trabalha o ano inteiro/Por um momento de sonho/Pra fazer a fantasia/De rei, ou de pirata, ou jardineira/E tudo se acabar na quarta-feira”. (Vinicius de Moraes)
Na quarta-feira o período em que reinou o mundo da fantasia termina e a realidade se impõe de forma cruel colocando cada um em seu lugar. O Rei Momo volta a fazer sua faxina, O Mestre-Sala deixa a coreografia para subir as escadas com uma lata de concreto nas costas e a Porta-Bandeira desfaz-se da imponência do seu papel e retorna para o seu trabalho.
NOTA: ao escrever este artigo tive a colaboração da minha Líli, amor e razão da minha vida.
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