Total de visualizações de página

PLACA NA ESTRADA DE CONCEIÇÃO DA BOA VISTA NAS PROXIMIDADES DO COLINA CLUBE

PLACA  NA ESTRADA DE CONCEIÇÃO DA BOA VISTA NAS PROXIMIDADES DO COLINA CLUBE

sábado, 29 de setembro de 2007

AO GENERAL DA BANDA

Armando Sérgio Mercadante

Seu toque de clarim era primoroso. Aprendeu quando era Fuzileiro Naval no Rio de Janeiro. Vindo para Recreio , matriculou-se no Curso Ginasial e assumiu o comando da fanfarra do Ginásio. Ensinou-nos o que foi possível ser ensinado em função dos recursos instrumentais da nossa fanfarra: tipos de toques, evoluções, rufar dos tambores, bumbos e taróis. Fomos aprendizes felizes, pois admirávamos nosso mestre e vibrávamos com cada ensinamento aprendido . Nos desfiles de 7 de Setembro éramos sempre aguardados pelo público. As exibições aplaudidas. Sentíamo-nos orgulhosos e felizes. Nossa humilde fanfarra era grande demais para os nossos corações de discípulos. Com nosso uniforme de calça branca e jaqueta azul celeste, seguíamos atentamente as instruções e os sinais do nosso comandante. Tudo saia impecável, graças aos ensaios, a nossa competência e ao comando firme do nosso “General da Banda”.

Fui corneteiro com o Nelcy (nosso querido Moleque Bonito) e o Silvio (César Bangu). Lembro-me dos ensaios de corneta na casa do Moleque Bonito na Grotinha. Coitada da vizinhança! O jeito foi ensaiar no alto do pasto...

Francisco Adão, o nosso querido Chico Adão, ferroviário por ofício e General da Banda por vocação, era também exímio tocador de trombone-de-vara. Tentou criar uma escolinha de música em Recreio. Eu e o César Bangu fomos os seus primeiros alunos. Para não fugir da regra recreiense começou e não terminou. Seu sonho, como o de tantos outros, era ,quem sabe, assim como Fênix ressurgiu do pó, fazer também ressurgir do pó da má vontade e do desinteresse a nossa Banda de Música. Muitos sonharam e não conseguiram. Certa vez, Pe. Juarez Augusto assumiu esse desafio. Sonhava em oferecer uma escola de música no João XXIII e, como conseqüência, ver a banda “cantar coisas de amor”. Entrou em contato com o Sr. Milagres e esbarrou na questão econômica. Nosso grande maestro aceitava o cargo em troca de um salário mensal que não era muito. Pe. Juarez ficou entusiasmado e partiu para a ação, como era sua característica, sem conseguir as pessoas que iriam contribuir mensalmente para garantir o salário, mais do que justo, do maestro. E o sonho, mais uma vez, foi adiado.

Será que ainda existem os instrumentos da Banda de Música? Nunca entendi porque nenhum dos ex-integrantes nunca manifestaram interesse em vê-la de novo na rua!

Naquela época, anos 60, ao aproximar o 7 de setembro, nos dois últimos horários, o Ginásio ensaiava nas ruas centrais de Recreio sob o comando do diretor José Marcos da Silva Brito, auxiliado por alguns professores. A fanfarra garantia a cadência da marcha. Aproveitávamos para treinar as evoluções , as variações das batidas e os toques de corneta.

Certa vez fomos convidados para fazer uma exibição no aniversário do Ginásio de Laranjal. Caprichamos. Vale aqui registrar o incidente ocorrido. Fazia parte das comemorações o encerramento com um baile no clube da cidade. Nosso colega Dilson foi barrado na porta porque era negro. José Brito fechou a questão: ou entra o Dilson ou vamos todos embora. Fomos embora. O preconceito venceu. Foi uma situação constrangedora. Situação esta que, por estranha ironia, vivíamos tranqüilamente em Recreio, com as nossas consciências adormecidas, na época de ouro dos bailes na Associação Comercial quando os negros não podiam entrar porque o clube era só para os brancos. Enquanto que no Clube Flor da Mocidade, clube dos negros, os brancos tinham livre acesso! Aos que não conhecem essa história vergonhosa que um dia fez parte (ou será que ainda continua?!) da nossa cidade, fica aqui registrada para a posteridade. Só um detalhe: Francisco Adão e o Maestro Milagres eram negros. Assim como tantos outros irmãos que contribuem e contribuíram para o engrandecimento da nossa Pátria e da nossa Recreio.

O grande Pastor Martin Luter King, prêmio Nobel da Paz em 1964, que lutou pela igualdade entre brancos e negros nos Estados Unidos nos anos 60, usando como arma o amor, a paz e a palavra de Deus, foi assassinado pela intolerância preconceituosa. Seu filho deixou-nos essas belas palavras que transcrevo abaixo:

“Aos nossos mais implacáveis adversários diremos: corresponderemos à vossa capacidade de fazer sofrer, com a nossa capacidade de suportar o sofrimento. Iremos ao encontro da vossa força física com a nossa força do espírito. Fazei-nos o que quiserdes e continuaremos a amar-vos. O que não podemos em sã consciência, é aceitar as vossas leis injustas, pois tal como temos a obrigação moral de cooperar com o bem, também temos o de não cooperar com o mal. Podeis prender-nos e amar-vos-emos ainda. Assaltar as nossas casas e ameaçar os nossos filhos, e continuaremos a amar-vos. Enviai os vossos embuçados perpetradores da violência espancar a nossa comunidade quando chega a meia-noite, e, quase mortos amar-vos-emos ainda. Tende porém, a certeza de que acabareis por ser vencidos pela nossa capacidade de sofrimento. E quando um dia alcançarmos a liberdade, ela não será só para nós; tanto apelaremos para a vossa consciência e para o vosso coração que vos conquistaremos também, e a nossa vitória será um dupla vitória. O amor é a força mais perdurável do mundo. Este poder criador, tão belamente exemplificado na vida do nosso Cristo, é o instrumento mais poderoso e eficaz para a paz e a segurança da humanidade”. (Martin Luther King Jr.)

E ao nosso General da Banda a nossa eterna gratidão. Valeu mestre!

PS: na primeira foto Francisco Adão comandando a Fanfarra do Ginásio de Recreio.

Nenhum comentário: