(Da esquerda para a direita: Wil, Gegê, Silas, Délio. Armando Sérgio, Déo. Jogadores: Tatiana e Zazi. O Campeonato de Botão foi realizado no Colégio João XXIII, de Recreio)
Armando Sérgio Mercadante
Na casa que fica do lado esquerdo de quem sobe o morro da Igreja Cristã morava o Sr. Neném Loçasso e à direita ficava a exuberante e generosa árvore que produzia o fruto que abrigava no seu interior a bolinha de macaco usada nos jogos de botões. A bolinha, de cor preta, era protegida por uma casca espessa, gosmenta e grudenta. Mas o sacrifício valia a pena.
Escolher a bola certa exigia muita destreza. Tinha que estar bem redonda, caso contrário de nada adiantaria a habilidade e a pontaria do jogador.
Formar um bom time exigia muita técnica e conhecimento. Alguns botões eram rejeitados por serem cabriteiros. Traduzindo: na hora que apertávamos a paleta pulavam. Exemplo: botões usados nas cuecas samba-canção. Os botões eram classificados em três categorias: os da defesa, meio campo e ataque.
O assalto ao guarda-roupa dos pais, avós e tios em busca de paletós ou casacos repletos de jogadores era uma deliciosa aventura. Certa vez ouvi vovó dizer: - Sebastião você precisa tomar mais cuidado com os botões do seu paletó! Eles mal sabiam que os botões desaparecidos reforçavam meu time durante as partidas.
Na hora do jogo tinha sempre um torcedor de olho num botão famoso. O mais cotado da minha época era Quarentinha (jogador do Botafogo) que fazia parte do time do meu primo Robert Cunha. A troca ou compra de botões envolvia uma negociação que exigia esperteza, se você bobeasse levava manta, quer dizer, prejuízo. Não gostávamos dos jogos de botões das fábricas de brinquedos. Não tinham graça
Até hoje guardo meu time com muito cuidado. De vez em quando lustro um por um e vou lembrando dos bons tempos e das partidas inesquecíveis.
Quando lecionava no Colégio João XXIII, promovi um campeonato de botão nas solenidades da Semana da Pátria. . Nas semifinais fui eliminado pelo Déo Pimenta por 1 x 0. Ao cobrar uma falta a bola rebateu no goleiro dele e retornou sacudindo a minha rede. Vai ser largo assim lá no cacha-prego! E o nosso Déo Pimenta acabou sendo o campeão. Até hoje guardo a fotografia de uma das partidas.
As traves eram feitas de vergalhão ou madeira e cobertas com filó ou pano. Os goleiros com caixa de fósforo recheada com argila ou de madeira.
Hoje na época dos bits e dos computadores cada dia mais sofisticados os jogos são outros. O computador substituiu a criatividade pela habilidade. O jogo compartilhado transformou em jogo solitário. A convivência concreta que existia nos jogos de outrora desapareceu diante do mundo virtual. Por mais real que possa parecer o mundo virtual em nada substitui o carinho, o olho no olho e o sentir a presença do outro, ouvir sua respiração, experimentar sua expressão fisionômica, ouvir seus lamentos, chingamentos e até mesmo o choro.
Confesso que me preocupo com o futuro da humanidade. Embora a minha condição de professor me leve a acreditar incondicionalmente no ser humano embora tenha momentos de dúvidas, incertezas e medo. Mesmo assim acredito que o ser humano há de encontrar o caminho que impeça a robotização do homem. A História nos mostra isso. Quem poderia imaginar que a humanidade iria superar as superstições, fanatismos e perseguições da Idade Média? E no entanto o Renascimento surgiu expulsando as trevas de um teismo desumanizante, marcado pelo maniqueísmo e por um moralismo que considerava o corpo sede dos desejos pecaminosos.
Uma análise psicológica e sociológica de uma partida de botões revelará uma riqueza imensa de reações, interações, emoções, sentimentos e solidariedade que jamais encontraremos no mundo virtual.
“Poetas, seresteiros, namorados, volvei
É chegada a hora de ouvir e cantar
A derradeira noite de luar”
(Gilberto Gil)
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